Ou nós acabamos com o capitalismo, ou o capitalismo acaba conosco. Talvez, para muitos, essa frase não faça muito sentido, afinal, é de práxis que grupos liberais se utilizem de dados históricos para comprovar que o ser humano nunca viveu tão bem, que a fome foi reduzida e é questão de tempo até que o capitalismo acabe com a pobreza e haja uma condição de vida digna a todos os seres humanos. Mas, no final das contas, é essa a verdade?
Como já citei em meu texto sobre “Uma síntese do trabalho: presente, passado e futuro”, a partir da contrarrevolução neoliberal da década de 70, houve um descolamento entre a produtividade e os salários, fazendo com que a taxa de lucros das grandes empresas aumentasse enquanto o ganho dos trabalhadores ficasse estagnado, como é possível observarmos no gráfico abaixo:

Com esse descolamento entre produtividade e salários, o desenvolvimento do capitalismo e dos controles de mercado por grandes empresas, o afrouxamento legal e a redução de impostos sobre os bilionários, vemos resultados como o aumento de U$65 bilhões na fortuna de Jeff Bezos — o homem mais rico do mundo — durante a pandemia que gerou fome e desemprego à maioria da população. Estudos recentes mostram que Bezos deve ser o primeiro homem TRILIONÁRIO do mundo já em 2026. A desigualdade de renda e o acúmulo de capital não são fatores isolados e de consequências meramente econômicas — que já são gravíssimas —, eles também trazem reflexos no meio-ambiente e no equilíbrio ambiental do mundo, afinal, quanto consome um bilionário? E qual a diferença entre o impacto que eu e você temos no mundo e aquele que têm grupos de alto poder financeiro?
É realmente possível afirmar que a catástrofe ambiental é uma simples questão de responsabilidade individual e que os problemas são causados por toda a população? Afinal, como eu, que demoro para tomar banho, tenho a mesma responsabilidade de madeireiros ilegais que derrubam árvores na Amazônia ou a de latifundiários que, para expandir suas pastagens, causam incêndios em florestas inteiras? A pauta do meio-ambiente e a discussão sobre consumo consciente vêm crescendo como resposta ao caos ambiental que ocorre no Brasil e, em determinado momento, foi eleito um grande vilão: os canudos de plástico. Responsáveis por 0,043% da poluição nos oceanos, os canudos foram proibidos em diversas cidades e a indústria ofereceu uma solução: os canudos de alumínio, que vêm embalados em plástico e, ao comprar, são levados para casa dentro de sacolinhas de plástico – sem contar os prejuízos ambientais da extração de alumínio e a exploração do trabalho para a execução de tal serviço. No entanto nenhuma ação vem sendo tomada contra o desperdício de água e a poluição causados pelas indústrias. Casos como o da Vale, que matou centenas de pessoas e causou a morte de cidades, rios, aldeias e vegetações inteiras, são punidos com multas ínfimas perto do prejuízo que geram.
A consciência individual é importante, mas seu resultado é insignificante se não estiver atrelado à organização de movimentos políticos e à contestação das soluções de mercado, que, ao resolverem um problema, criam vários outros, como no caso dos carros elétricos: com suas baterias de lítio, mineral esse que tem a maior parte de suas reservas concentradas na Bolívia, em minas de difícil acesso que se utilizam de trabalho infantil, são altamente prejudiciais à saúde dos trabalhadores e que, mais recentemente, foram uma das causas do Golpe de Estado contra o presidente democraticamente eleito Evo Moralles, que não aceitava que a riqueza de seu país fosse entregue de mãos beijadas ao interesse de bilionários como Elon Musk, que assumiu a participação dos Estados Unidos e o atendimento aos seus interesses no Golpe. Mas, segundo o ‘ecoliberalismo’, eu, escrevendo esse texto em um notebook com anos de uso, tenho a mesma responsabilidade de Elon Musk no aquecimento global.
Existem muitos estudos que comparam os impactos ambientais causados por indústrias e pela população e alguns dados são tanto assustadores como esclarecedores:
- Nos Estados Unidos, o país que mais destrói o meio-ambiente, mesmo que toda a população mudasse seus hábitos de consumo, o impacto ambiental seria de cerca de 20%, porém, a redução necessária para que a natureza esteja em equilíbrio é de mais de 70%;
- No Brasil, 70% de toda a água utilizada não vai para a casa dos mais de 200 milhões de cidadãos: ela fica nas indústrias e no agronegócio, porém, nos períodos de seca os racionamentos são feitos nas casas;
- Apenas ¼ de toda a energia elétrica dos Estados Unidos é consumida nas casas, os outros ¾ ficam nas indústrias.
Outro mito importante a ser derrubado, e que está presente mesmo entre militantes da causa ecológica, é a crença de que a destruição do planeta e as consequências do aquecimento global que vemos hoje são resultados de todo o período pós revolução industrial. David Wallace-Wells, porém, mostra em seu livro “A terra inabitável” que a maior parte dos problemas que enfrentamos hoje foram causados por ações realizadas nos últimos trinta anos e as consequências de ações contra o meio-ambiente não são para o futuro, mas para o presente – como as ondas de calor e os recordes de temperatura vividos pelo Brasil entre os meses de setembro e outubro, alinhados à destruição de mais de ¼ do Pantanal.
Fenômenos naturais que aconteciam com periodicidade rara e muito claramente definida, hoje, são cada vez mais comuns, gerando forte impacto na vida de populações, como furacões, tufões, alagamentos, deslizamentos de terra, enchentes, etc. Hoje, 95% da população mundial respira um ar considerado perigoso para a saúde.
Não há solução no capitalismo
A ideia de progresso utilizada nos últimos séculos precisa ser questionada e, se as mudanças não forem sistêmicas, o futuro da população há de ser questionado. O capitalismo premia o desmatamento, o trabalho análogo à escravidão e o consumismo exacerbado, afinal, só há quem desmate uma floresta se há alguém que compre os produtos advindos dela. Há, até mesmo, casos extremos como o financiamento do Estado Islâmico, dinheiro esse que advinha de reservas de petróleo controladas por eles, sendo o principal suspeito de comprar esse petróleo a Arábia Saudita, ditadura aliada aos Estados Unidos.

As soluções energéticas também precisam ser encontradas, e não é apenas questão de apagar as luzes e diminuir o tempo de banho, mas alterar as lógicas industriais e de consumo — por exemplo, quanto de energia é gasto para produzir alimentos fast-food em comparação à ‘comida de verdade’? Fast-foods esses que causam diversos problemas para a saúde. Ou, então, qual o gasto para casos como o da imagem abaixo, consequência direta da divisão internacional do trabalho: as pêras são cultivadas na Argentina, embaladas na Tailândia e vendidas nos Estados Unidos. Quanto de energia foi gasta e poluição foi gerada nesse processo, e quantos conservantes foram adicionados para uma fruta resistir-lhe?
Devemos acabar com o uso de combustíveis fósseis e a lógica da queima dos mesmos como o uso de carros: por exemplo, por que um trabalhador precisa viver tão longe do seu local de trabalho? Há exemplos de planejamento urbano na Coreia do Norte onde os trabalhadores vivem em locais que ficam no máximo há 3 km de onde trabalham, não necessitando nem mesmo de transporte público para executarem os trajetos, lógica essa que só é possível quando não há especulação imobiliária e gentrificação de espaços habitacionais.
A obsolescência programada é outro dos grandes problemas do modelo capitalista: produtos são criados para terem prazo de validade, estragando – no caso de mercadorias básicas – ou tornando-se rapidamente obsoletos – no caso de tecnologia. Um problema é até mesmo a forma como utilizamos os produtos: quantas vezes você usou sua furadeira no último ano? Somos levados a comprar produtos que utilizaremos pouquíssimas vezes e a lógica individualista impossibilita os espaços de socialização de bens pessoais, assim como a propaganda estimula o consumismo e cria espaços onde apenas há a afirmação do indivíduo através do consumo — como também já falei no texto “Uma síntese do trabalho”. Resumidamente, para que o ser humano possa continuar existindo é preciso que a lógica de produção e os modos de vida sejam repensados.
Esse texto advém de uma reflexão pessoal sobre o momento em que estamos vivendo, não sou um especialista e nem ao menos um militante focado na causa ambiental, mas tenho interesse pelo assunto. A principal recomendação de leitura é o livro “A terra inabitável”, citado durante o texto, e estímulo também o debate a respeito desse tema, estando aberto a vossas recomendações, leitores. Infelizmente, não pude abordar todos os aspectos que gostaria por ser um assunto muito extenso e, nesse exato momento, o Pantanal está em chamas. As consequências são ainda incalculáveis, já que, talvez dentro de algum tempo, tenhamos a desertificação de diversas áreas do país e uma mudança completa de seu funcionamento; não sabemos nada sobre o futuro. Por fim, deixo o seguinte comentário que, em algum momento, vi navegando pela internet: “Se a Amazônia é o pulmão do mundo, Bolsonaro é um maço de Eight”