Estamos falando da perseguição judicial injusta contra Julian Assange, fundador do WikiLeaks.
Seu julgamento foi denominado pelas grandes mídias como o julgamento do século devido a sua importância, mas, convenientemente, foi esquecido. Pandemia, protestos e manifestações ao redor do mundo, catástrofes climáticas; sim, o mundo passou por muita coisa este ano e acompanhar tudo o que acontece pode, muitas vezes, ter até uma carga psicológica. Porém, por mais difícil que seja, é importante perceber que o julgamento de Julian Assange definirá limitações morais, éticas e de liberdade de expressão para gerações de jornalistas ao redor do mundo.
Para contexto: Assange se refugiou na Embaixada do Equador, pois o governo anterior do país lhe concedeu asilo político. Em agosto de 2012, sua jornada de refúgio na Embaixada começou, durando aproximadamente 7 anos.
O atual presidente equatoriano afirmou que existiam uma série de razões para o fim dessa parceria entre Assange e o governo. Entre essas razões, contou que Assange duvidava de oficiais da embaixada e acreditava que estava sendo espionado por câmeras e equipamentos de segurança, o que, depois, foi confirmado como verídico. Uma empresa espanhola [UC Global S. L], responsável por equipamentos de segurança do local, utilizou seu poder para espionar Assange a favor dos Estados Unidos. O caso está atualmente na Suprema Corte da Espanha.
Em abril de 2019, a Polícia Metropolitana de Londres foi convocada pelas autoridades equatorianas e prendeu-o em conexão com uma investigação de abuso sexual na Suécia. Duas mulheres afirmaram, em 2010, que Assange violou o consentimento sexual com ambas por ter feito sexo sem proteção. Elas também afirmam que uma estava adormecida durante o ocorrido. Em decorrência dessas queixas, Assange foi questionado pela polícia sueca, que, no momento, não viu motivos para sua prisão, e liberou sua volta para a Inglaterra. Em um período de três anos, as investigações foram abertas e encerradas diversas vezes, com procuradores diferentes participando da investigação.
O atual julgamento de Assange, iniciado em setembro deste ano, julga a possibilidade de uma futura extradição de Assange para os Estados Unidos, com o propósito de que ele seja julgado e acusado com base na Lei de Espionagem de 1917. As autoridades norte-americanas afirmam que Assange obteve e divulgou documentos de defesa nacional de maneira ilegal.
A Lei de Espionagem é motivo de discussão há décadas no cenário político norte-americano. Ela foi criada pelo ex-presidente Woodrow Wilson após a Primeira Guerra Mundial. Nesse período, sentimentos xenófobos e anti-imigração permeavam a sociedade norte-americana e suas consequências eram claras. Essa Lei visava julgar e acusar espiões, porém acabou sendo utilizada para prender opositores ao governo, socialistas, imigrantes e ativistas sociais.
O maior exemplo é a prisão de Eugene V. Debs, candidato à presidência – em 1918 – que foi sentenciado a dez anos de prisão após um discurso em que criticava a Lei. A sentença foi apoiada pela Suprema Corte dos Estados Unidos, mas foi alterada pouco depois.
Porém a Lei de Espionagem já foi utilizada contra whistleblowers [whistleblower; toda e qualquer pessoa, grupo ou organização que, tendo informações sobre um perigo, risco, má conduta ou atividade ilegal, utiliza uma plataforma pública para denunciar essa(s) atividade(s)]. Um dos casos mais notórios do uso dessa lei é a acusação de Daniel Ellsberg, whistleblower dos Pentagon Papers, durante a década de setenta. Ele foi acusado pela Lei de Espionagem em 1973 e com uma possível sentença de 115 anos de prisão. As denúncias foram retiradas um tempo depois do ocorrido e Daniel Ellsberg virou um reconhecido ativista norte-americano.
Essa é a lei por meio da qual autoridades norte-americanas buscam acusar, julgar e sentenciar Julian Assange.
Assange encontra-se atualmente em uma prisão de segurança máxima no Reino Unido. Devido à importância internacional do caso, autoridades médicas e responsáveis pela fiscalização de direitos humanos visitaram Assange, o que revelou informações perturbadoras para o público. Por exemplo, um relator especial da ONU, Nils Melzer, afirmou, após uma visita a Assange, que “Sem dúvida alguma, ele é um prisioneiro político” e que “Ele [Melzer] teme que seus direitos humanos possam ser seriamente violados se ele for extraditado para os Estados Unidos e condenado o abuso deliberado e coordenado infligido durante anos ao cofundador do Wikileaks.”.
Essas informações são preocupantes, ressalvo que não somente pela importância internacional do caso, mas pela motivação por trás dessa perseguição. Assange [honestamente, todos os que, em algum momento, participaram do WikiLeaks ou de algum tipo de vazamento de documentos secretos] está sendo perseguido, há mais de uma década, por publicar documentos que mostraram ao mundo uma clara violação do papel estatal em níveis internacionais.
Questionar o Estado, quando justificado e preciso, sempre é justo e vale ao povo fiscalizar o governo que contribui. Essa fiscalização, presente em qualquer tipo de democracia [de esquerda, de direita, sua preferência], é necessária para impedir que Estados ressurjam como Impérios. Em toda essa situação, a falha da comunidade internacional em proteger whistleblowers é evidente. A falha dos profissionais de imprensa por não cobrirem esses julgamentos de maneira correta e consistente. A falha do poder judiciário por permitir que julgamentos como este ocorram. A falha de políticos por não lutarem para que legislações como a Lei de Espionagem sejam desfeitas.