CABLEGATE: O império está nu.

O vazamento de cabos diplomáticos dos Estados Unidos levaram ao aprisionamento do jornalista Julian Assange. O que eles dizem?

Este artigo foi produzido por um colaborador anônimo, sob o pseudônimo de "Leonor Carvalho".

LIMPANDO O TERRENO

É comum, em textos jornalísticos, existir a pretensão de recobrir o conteúdo veiculado com um suposto véu de neutralidade, como se cada jornal que compõe o aparato midiático de massa estivesse interessado em comunicar “o que se passa no Brasil e no Mundo”.

Assim, nessa concorrência pela oferta da informação mais importante e imparcial, todos estariam servidos de uma série de notícias isentas de interesses, cabendo a cada um decidir o que fazer com tal conhecimento.

Obviamente isso é uma fantasia. Contudo, essa constatação simplória conduz muitos ao raciocínio que se assenta na tese de que, embora as grandes agências de comunicação conheçam “a realidade”, elas preferem escondê-la do público. Terreno fértil para a proliferação de teorias da conspiração, principalmente quando uma quantidade colossal de documentos sensíveis é disponibilizada.

Ora, tanto a imparcialidade é um mito como uma suposta lavagem cerebral não está em curso. A ninguém se abrem dois caminhos para que se escolha qual trilhar: o da verdade e o da ilusão; o do bem e o do mal. O mesmo também vale para os grupos de mídia.

Posto isso, tomando como referência o que se entende como civilização ocidental, é necessário compreender que a formação das subjetividades nessas sociedades é integralmente atravessada por um caldo cultural patriarcal, cristão e juspositivista de tal sorte que esses – e outros – vetores orientam a interpretação dos fenômenos.

Então, observe: não se trata da dissimulação orquestrada da realidade, mas sim do mero registro superficial dos acontecimentos. E, para ir além desse fino revestimento contraditório, é necessário buscar a essência das questões. É o que se pretende a seguir: escavar em direção à raiz.

ESTUDANDO UM CONTINENTE

Antes de quaisquer análises, é importante dimensionar o vazamento que ficou conhecido mundialmente como Cablegate. A partir do final do ano de 2010, o Wikileaks, em parceria com inúmeros veículos de mídia, disponibilizou mais de 200 mil documentos relativos a comunicações internas do Departamento de Estado, assim como telegramas oriundos das embaixadas dos EUA ao redor do planeta.

Vale esclarecer que o Departamento de Estado dos Estados Unidos (DoS) é o órgão executivo mais tradicional. Sua criação, em 1789, remonta ao período dos “pais fundadores”, sendo função desse órgão coordenar as relações internacionais dos EUA; o equivalente ao Itamaraty no Brasil. Desse modo, as representações diplomáticas dos EUA em cada país fazem parte da estrutura desse importante departamento. Para se ter uma ideia, o Secretário de Estado, chefe do DoS, é o quarto na linha de sucessão presidencial dos EUA.

Assim, esse volume de informações disponibilizadas representa um verdadeiro continente a ser estudado. Este texto nem sequer consegue dar conta de algumas praias de tal continente: para se ter uma base, só na categoria “secretos”, estão reunidos cerca de 15 mil documentos.

Não obstante, é por meio de esforços como este e de outros portais de informação alternativa que se convida o público a desembarcar no território hostil dos interesses nacionais defendidos no âmbito da geopolítica concreta. Isso implica abandonar a superficialidade reproduzida nos discursos institucionais e nas narrativas idílicas construídas por meio de supostas cooperações bilaterais, programas de integração e toda a gama de instrumentos de direito internacional disponíveis.

BIG BROTHER

Ao observar determinados fenômenos, não podemos desconsiderar a historicidade intrínseca a eles. Isso implica considerar a dimensão histórica como um processo e que, apesar de não estarmos fadados pelo passado, somos profundamente influenciados por ele. Nesse norte, a compreensão de como se constitui a relação dos EUA com o mundo passa, também, pelo leito do que é conhecido como “Destino Manifesto”, que em suma, se trata da construção de um ethos mitológico norte-americano fiador da ideia de vanguarda civilizacional. Assim, os habitantes dos EUA carregariam consigo o fardo de levar desenvolvimento ao mundo dos bárbaros.

Aqui, é imperioso dizer que seria leviano considerar que o processo expansionista ianque do século XIX está meramente assentado sobre um autorretrato de “povo excepcional escolhido por Deus” em uma marcha desenfreada pelo mundo.

Contudo, deve-se ter em mente que, embora o avanço para o oeste tenha sido determinado pelo modo de produção norte-americano e pelo projeto político sulista do país (dependente de expansão territorial), houve um lastro cultural difuso em todos os estados de que, naquele continente, estava o ponto alto da humanidade.

Por isso, não é à-toa que, dirigindo-se aos cidadãos estadunidenses após o fatídico 11 de setembro de 2001, o então Presidente George W. Bush coloca: “Nós [EUA] fomos alvos de ataque porque somos o farol mais brilhante de liberdade e oportunidade no mundo e ninguém vai impedir que essa luz brilhe”.

Não é um mero lapso mental produzido por uma das mentes mais obtusas da humanidade quando Bush filho diz: “Hoje, nossa nação viu o mal, o pior da natureza humana…”, esquecendo que seu papai, mantendo a tradição ianque de bombardear civis, despejou, durante a Guerra do Golfo, o equivalente a sete bombas atômicas de Hiroshima, o que provocou a morte de cerca de 13 mil civis iraquianos, segundo estudos da demógrafa norte-americana Beth Osborne Daponte.

Declarações como essas de George W. Bush não são raras e deveriam imediatamente suscitar o questionamento: só é possível reconhecer o pior da natureza humana quando as vítimas são norte-americanas?

De fato, após os referidos atentados, houve uma escalada na política de vigilância dos EUA, cuja pedra angular e inaugural foi o “Patriot Act”, que, a grosso modo, permitiu às agências de inteligência e segurança dos Estados Unidos utilizar, sem autorização judicial, uma ampla gama de instrumentos para monitoramento de qualquer espécie de comunicação entre pessoas (estrangeiras ou estadunidenses) que estivessem supostamente atuando contra os EUA.

O referido “Patriot Act” manteve-se vigente de 2001 a 2015, ano em que foi substituído pelo “USA FREEDOM Act”, verdadeira reação (mais simbólica do que concreta) para uma série de vazamentos proporcionados pelo Wikileaks e pelo ex-analista da NSA – National Security Agency – Edward Snowden.

O conjunto desses vazamentos foi, de certa forma, um verdadeiro fantasma ressuscitado da Guerra Fria para assombrar o governo dos Estados Unidos. Os campeões da liberdade, que, por meio de sua agência de inteligência, se apropriaram das obras de George Orwell para difundir o pânico anticomunista, revelara-se como o verdadeiro Big Brother observando não só seus cidadãos, como também todo o mundo.

O IMPÉRIO ESTÁ NU

Existe uma característica comum que conecta quase todas as grandes revelações sobre os reais interesses dos poderosos: o imediato contragolpe de questionar a fonte da informação.

A partir dessa premissa, inicia-se um movimento de sobrepor a discussão acerca dos métodos de obtenção da informação, da legalidade dos vazamentos, das “perigosas consequências” desse ato em detrimento da discussão sobre o conteúdo do material. A manifestação mais recente dessa característica foi a série de reportagens iniciada pelo The Intercept_Brasil intitulada de “Vaza Jato”.

Com a publicação de Cablegate não foi diferente. Mas, desta vez, ouso dizer que as revelações foram quantitativa e qualitativamente esmagadoras. A quantidade de informações publicadas naquele final de 2010 e as que ainda seguem sendo publicadas deslegitimaram as instituições democráticas, em especial as dos Estados Unidos.

Foi escancarado o imperialismo norte-americano, há muito denunciado por análises histórico-estruturais complexas, obras literárias talhadas a partir de documentos secretos disponibilizados após décadas e muitas vezes tratados como infundados por uma extensa fauna de autores e jornalistas liberais. O império ficou nu.

Como explica em mais detalhes Edward Hunt em seu artigo: “Por meio de suas embaixadas, os EUA foram muito além dos “jogos de soma não-zero”, atuando sempre para suplantar a soberania dos países e aumentar seu papel hegemônico, seja ele expressado pela presença concreta do governo estadunidense, seja pela atuação de seu setor privado.”

Essa hegemonia nunca foi vinculada a quaisquer princípios republicanos, democráticos, de liberdade ou a toda a infinidade léxica que o “american way of life” pode proporcionar na criação da incólume imagem da nação que, segundo George W. Bush, “avançaria para defender a liberdade e tudo o que é bom e justo em nosso mundo.

Ao que tudo indica pelos documentos oficiais dos EUA vazados, a defesa do que “é bom e justo para o nosso mundo” compreende deixar claro ao Japão que não pode haver “Ásia para asiáticos”.

A qual liberdade se referia o ex-presidente? Isso parece ter ficado mais claro quando comunicações oriundas de Bagdá – capital do Iraque, que fora invadida pelos Estados Unidos contra o Conselho de Segurança das Nações Unidas – expuseram a liberdade que as empresas ExxonMobil, Royal Dutch Shell e Kogas receberam para explorar os ricos campos de petróleo iraquianos.

A partir dos dois exemplos acima, um indolente político poderia sofismar a existência de uma presença histórica dos Estados Unidos em regiões da Ásia e do Oriente Médio bem como culpar a falta de estabilidade institucional e política de tais regiões pela ação predatória do capital global em seus respectivos territórios – o que apenas revelaria o eurocentrismo e o latente orientalismo ocidental.

Mas e quando os documentos revelam a ingerência no “berço da civilização”? É justamente isso que o Cablegate revela.

Em tese, tal qual as relações internas – em um Estado de direito – entre pessoas jurídicas sujeitas ao direito, são também as relações internacionais entre os Estados nacionais.

Ou seja, sem distinções, os Estados gozam de uma equivalência jurídica, de tal sorte que suas relações são mediadas pelo costume, por tratados, convenções; enfim, por instrumentos de direito internacional que partem de um pressuposto de respeito à soberania, à autodeterminação e à autonomia da vontade de cada pessoa.

Nesse sentido, embora exista uma farta bibliografia crítica, é comum acreditar na tese de que instituições sólidas são capazes de tutelar interesses democráticos, o que pode lastrear uma certa ideia de inevitabilidade da miséria em nações invadidas pela cruzada norte-americana. “Eles não eram democráticos o suficiente, por isso as coisas são como são”.

Com base nessa chave de raciocínio, a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte – e a União Europeia seriam instituições sólidas o suficiente para conter ingerências externas. Mais uma vez, o Cablegate joga luz nas soturnas comunicações diplomáticas norte-americanas que lastreiam suas ações políticas, inclusive dentro das arraigadas instituições europeias.

Peço perdão ao leitor, mas vale a transcrição literal do excerto de um dos cabos vazados:

 "A adesão dos Estados da Europa Central à UE aumenta muito nossa [EUA] capacidade de formar e construir coalizões que possam influenciar a política da UE como um todo. Mesmo quando eram novos na UE, e relativamente passivos, precisávamos dos seus votos, quer na política económica e ambiental, onde a maioria qualificada é a regra, quer nas áreas da política externa e de segurança, que requerem consenso."

O cabo acima é de 2009, mas a atuação dos EUA na Europa permanece até hoje. Revelando o retorno do interesse estadunidense nos Bálcãs que estão sob influência da União Europeia e da Rússia , ações como a de Richard Grenell (enviado especial da Casa Branca), de costurar acordos entre Kosovo e Sérvia – atravessando a diplomacia europeia –, e o monitoramento da opinião pública de países como a Bósnia e Herzegovina acerca da relação com os EUA são formas de afastar a influência russa na região e alinhar os governos locais com os interesses norte-americanos.

Tal aproximação não significa necessariamente um movimento de apoio dos EUA à integração dos Bálcãs ao bloco europeu, mas pode-se afirmar não se tratar de coincidência que os países da região possuem status de “candidatos reconhecidos” e “reconhecidos como potenciais candidatos” para integrar a União Europeia.

Para além de arquitetar um “cordão sanitário” nos moldes de Georges Clemenceau, os cabos revelaram como os Estados Unidos atuaram para expandir o campo de atuação da OTAN, influenciando a adesão da Ucrânia e da Georgia ao tratado, mesmo ao custo de acirrar as relações com a Rússia.

Como já dito, a extensão do material é continental, de modo que alguns documentos vazados foram utilizados como subsídio de uma análise que permite concluir como os EUA, por meio de suas missões diplomáticas, nunca se submeteram aos princípios colaboracionistas e integracionistas de Direito Internacional.

UM SAUDOSO BRASIL

Não causa espanto em ninguém o fato de os Estados Unidos terem buscado manter sua influência hegemônica no Brasil. Aliás, as interferências dos EUA no cone sul estão amplamente documentadas, como bem registram os documentos da “Operação Brother Sam”, na qual o big stick estava pronto para ser utilizado caso houvesse resistência ao golpe empresarial militar de 1964. O mesmo vale para a “Operação Condor”, que espalhou o terror institucionalizado pela América do Sul com a leniência dos nortenhos heróis da liberdade e dos Direitos Humanos.

Assim, é evidente que a nação que já figurou como a 6ª maior economia do mundo sempre esteve nos planos do Tio Sam. Dos mais de 50 “míseros” cabos analisados, o que ficou foi a impressão de um Governo muito mais comprometido em se forjar como uma sólida engrenagem no maquinário do capitalismo do que promover uma revolução baseada no “marxismo cultural“, como propagado nos últimos anos.

Tal impressão não se extrai a partir da análise das ações institucionais unilaterais do Governo Brasileiro, mas da relação entre interlocutores norte-americanos e brasileiros. Eis que os documentos reportam a visão e a atuação das missões diplomáticas, além das recomendações de como Washington poderia proceder.

A priori, cabe ressaltar que, a seguir, serão abordadas as questões sem uma preocupação de se estabelecer uma cadeia temporal de eventos ou mesmo um liame entre eles. Como já mencionado, a continental dimensão do acervo documental inviabiliza um trabalho nesses termos.

Muito se engana quem acredita que as tensões envolvendo EUA e Venezuela são recentes ou mesmo que se intensificaram agora. Como bem retratado no documentário “The Revolution Will Not Be Televised”, as tensões entre os dois países remontam ao tempo de Hugo Chávez.

Já em 2005, Chávez permeava as conversas na alta cúpula de agentes públicos brasileiros e norte-americanos. O então presidente do país que, conforme a CIA, possui a maior reserva de petróleo do mundo já era uma ameaça para região. Em encontro com o ex-Ministro Celso Amorim, o Embaixador norte-americano John J. Danilovich tentou convencê-lo de que Chávez é um problema – até solicitou a Amorim que fosse estabelecido um engajamento político maior entre os dois governos contra Chávez por meio de acordos para compartilhamento de inteligência.

Em resposta, aquele que ainda seria apontado por David Rothkopf como “o melhor Ministro das Relações Exteriores do mundo”, o Embaixador Danilovich, narra que Amorim foi claro: “Não vemos Chávez como uma ameaça”.

Sobre o referido encontro, Danilovich reportou: “o Governo brasileiro prefere uma abordagem em relação à Venezuela e à Bolívia que reconheça a legitimidade democrática de seus líderes e a autodeterminação de seus povos. E insistiu que, no âmbito dessas tratativas, o Governos dos EUA deveria seguir tentando convencer o Brasil do perigo representado por Hugo Chávez. Danilovich ainda abordaria a questão da “ameaça Chávez” com o então Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Gal. Jorge Félix, encontrando posição institucional similar.

Embora a visão geral desse período seja de um Itamaraty mais independente, o Brasil não estava imune a ações subservientes de vira-latas, como as do então Senador emedebista Heráclito Fortes que, em 2009, reuniu-se com o Embaixador norte-americano, Clifford Sobel, para dar detalhes de questões internas e suplicar uma intervenção dos Estados Unidos, inclusive com a instalação de fábricas de armas títeres a fim de armar o país contra a Venezuela.

Na falta de boa vontade em buscar outro adjetivo, é imperioso lembrar o lacaio que ocupou o Ministério da Defesa entre 2007 e 2011. O senhor Nelson Jobim – em cuja página na Wikipedia (em Inglês) constava “agente da inteligência dos Estados Unidos” até 2011 – também mostrou-se comprometido em passar informações ao Governo dos EUA.

Em janeiro de 2008, o Ministro da Defesa deu detalhes das pretensões brasileiras na área da defesa, bem como forneceu detidas informações sobre sua viagem à França, que estava intimamente ligada aos esforços do Governo Brasileiro em se consolidar como uma potência emergente mais robusta.

Por meio da leitura dos documentos vazados, mas não citados aqui, é nítida a percepção de que os interlocutores norte-americanos são incessantemente insistentes em permear o mais fundo possível nas instituições nacionais. Toda e qualquer pauta é um subterfúgio para amarrar “cooperação”, “treinamento”, “integração”. Claro, tudo modulado conforme “padrões norte-americanos de excelência”.

Busquemos fazer um exercício de imaginação: caso um diplomata brasileiro fosse corajoso o suficiente para propor ao Governo dos Estados Unidos que agentes brasileiros fizessem visitas aos seus sistemas de controle de tráfego e defesa aérea, qual seria a resposta?

Pois foi isso que agentes diplomáticos dos Estados Unidos buscaram, em 2008, no âmbito da certificação do programa brasileiro de abate de aeronaves. A audácia dos norte-americanos incluía a pretensão de acompanhar um procedimento de abate. O documento explica a dificuldade de acesso de pessoal não brasileiro, mas não deixa de mencionar que houve uma visita em 2007 – em outro cabo, fica confirmado que o CINDACTA IV recebeu a visita de norte-americanos em julho de 2008.

O trecho a seguir (do penúltimo documento mencionado acima) é revelador quanto ao mote das celebradas cooperações com os Estados Unidos:

"O Departamento deve considerar o financiamento de viagens de controladores de tráfego aéreo brasileiros aos Estados Unidos para visitas de intercâmbio a instalações nos Estados Unidos. Isto nos ajudaria a argumentar que o GOB deveria ser mais aberto a nossas visitas às suas instalações. Também proporcionaria a oportunidade de questionar os controladores brasileiros sobre seus procedimentos de segurança enquanto estavam longe das preocupações de soberania de seus governos.”

Infelizmente, ainda há quem sequer considere a necessidade de se refletir sobre eventuais programas de cooperação, treinamentos e aperfeiçoamento de autoridades ou agentes públicos brasileiros nos Estados Unidos, mas se mostra surpreendido quando membros do MPF – Ministério Público Federal – costuram relações ilegais com agentes estrangeiros ou quando magistrados em exercício visitam informalmente agências norte-americanas.

Mas não só de infiltração institucional se constitui o soft power norte-americano. Thinktanks, ONG’s, Institutos e programas como o “Jovens Embaixadores” também são instrumentos de difusão e manutenção dos ideais que sustentam a perpetuação do sistema e que atendem aos interesses de uma pequena, mas poderosa parcela da sociedade.

No bojo de uma análise robusta do quadro da educação no Brasil (em março de 2009), surgem apontamentos acerca da iniciativa “Jovens Embaixadores”. A autora do projeto explica:

“Quando a ex-embaixadora no Brasil Donna Hrinak viu na televisão imagens de jovens da Venezuela queimando bandeiras americanas, ela convocou uma reunião com o PAS para discutir o desenvolvimento de um programa para melhor familiarizar a juventude brasileira com os Estados Unidos, a fim de evitar que tais ações ocorram no Brasil.”

Ou seja, é melhor que se molde a interpretação da realidade de modo superficial do que realmente refletir sobre os reais motivos que levam jovens venezuelanos a queimar bandeiras dos EUA. Seriam as seis bases militares dos Estados Unidos prostradas na Colômbia? Seriam as seguidas tentativas de golpe contra Hugo Chavez? Seriam os embargos?

Vale esclarecer que não se trata de estigmatizar intercâmbios estudantis como se fossem atos de capitulação, mas sim de alertar para o conteúdo concreto de qualquer programa internacional em curso no Brasil. Assim como “um militar sem formação política, ideológica, é um criminoso em potencial”, um jovem brasileiro que se forme teórica e culturalmente de costas para a América Latina é um potencial agente de revoluções coloridas.

TRABALHO ESSENCIAL

Considero as reflexões, que por hora encaminham-se para o fim, como parte de um esforço para que se abandonem as narrativas idílicas dos processos históricos e dos eventos geopolíticos, principalmente os que são orbitados pelos Estados Unidos.

Com o trabalho essencial de Julian Assange à frente do Wikileaks, foi permitido ao mundo observar as entranhas do Império norte-americano. Por baixo da superfície edulcorada de promotor dos Direitos Humanos, da vanguarda democrática, da liberdade e da defesa das instituições, estava, de fato, um Kraken com infinitos tentáculos.

Enquanto sustentou – e ainda sustenta suas intervenções pelo mundo em nome de uma proteção internacional aos Direitos Humanos, verificava-se uma calamidade no Afeganistão ocupado, com um salto de 46% no número de civis mortos de 2007 para 2008, conforme dados vazados do Pentágono. O mesmo material revela uma escalada na violência e um aumento nas tensões entre as forças de ocupação e os nativos.

É impossível tolerar que os Estados Unidos ousem em utilizar qualquer retórica que os coloque em um suposto plano ético-moral superior a qualquer país no que toca à tutela de direitos e garantias fundamentais quando são publicados documentos que revelam procedimentos de tortura em interrogatórios realizados na infame base militar de Guantánamo.

Procedimentos violentos, humilhantes e grotescos foram metodologicamente registrados por escrito para serem executados contra prisioneiros, como, por exemplo, o sórdido stripping. Nas palavras do grotesco manual:

“O stripping consiste na remoção à força das roupas dos detidos. Combinada com a degradação do detido, o stripping pode ser usado para demonstrar a onipotência do captor ou para debilitar o detido. O staff do interrogador rasga as roupas dos detidos as puxando firmemente para baixo, contra botões abotoados e costuras. Movimentos violentos devem ser para baixo para evitar desequilibrar o detido.”

É um fato que o trabalho paradigmático de ativistas como Julian Assange e Rui Pinto, bem como o de corajosos agentes públicos como Edward Snowden e Chelsea Manning entrou para história.

Suas ações disponibilizaram fontes diretas acerca de eventos que, em muitos casos, aconteciam em tempo real, mas, ao que tudo indicava, somente estariam disponíveis décadas depois claro, presumindo a existência de mecanismos legais de transparência e desclassificação de documentos.

Em que pese até fazer certo sentido pensar que os feitos de ativistas como Assange podem inibir políticas predatórias de Governos e corporações, chamo a atenção: não existe limite ético à lógica de acumulação do capital.

Pessoalmente, acredito que o material disponibilizado por meio dessas iniciativas é fundamental na construção de um pensamento crítico capaz de chamar a atenção das massas para as contradições entre o discurso e a realidade material não a fim de que se entristeçam diante da crueldade egoística dos poderosos, mas de que se organizem para protagonizar as reformulações substanciais que a humanidade tanto necessita.



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