Falar de 1.º de maios é falar do labor de uma classe que sustenta o mundo, não só o sustenta como lhe dá forma, tanto material como imaterial. O evento que marca essa data foi a luta promovida em 1886 por trabalhadores que ocuparam as ruas em Nova York, Chicago e Detroit, entre outras cidades e entoavam os slogans: I) “Eight-hour day with no cut in pay” (diária de oito horas sem redução no salário) e II) “Eight hours of work, Eight hours of leisure and eight hours of rest” (oito horas de trabalho, oito horas de lazer e oito horas de descanso). As passeatas marcaram o início de uma greve geral, que tinha como principal reivindicação: a redução da carga horária. Para se ter uma ideia, na época algumas jornadas acumulavam mais de catorze horas diárias de trabalho.
Conforme os dias se passaram e a greve perdurava, as instituições do Capital se viram obrigadas a virar suas armas contra os trabalhadores buscando frear o movimento. De um lado o Estado decretara ‘Estado de Sítio’ para legitimar a violenta repressão promovida por policiais e pelos detetives da agência Pinkerton (que possui em histórico sangrento na repressão contra o proletariado); do outro patrões contratavam mercenários para invadir as casas dos trabalhadores, espancá-los e destruir seus pertences. Concomitantemente, a justiça burguesa julgou e condenou diversos líderes do movimento à forca, prisão perpétua e comum. Entretanto, as ações do Estado apenas reforçaram a importância da luta e em 1890 o Congresso estadunidense aprovou a redução da jornada de trabalho, de 16 horas para 8 horas diárias. Efeito que se espalhou pelo mundo.
Já no Brasil, especificamente na cidade de São Paulo, a Greve Geral de 1917 – que durou trinta dias – foi peça chave para o reconhecimento da jornada de trabalho de oito horas diárias, organização trabalhista e posterior consolidação do Dia dos Trabalhadores em 1925, quando o então presidente Artur Bernardes baixou um decreto instituindo o dia 1º de maio como feriado nacional. Dentre as reivindicações feitas pelos trabalhadores em 1917 além da redução na jornada se destacam: I) a proteção das vagas de trabalho dos operários que tenham participado das greves; II) que fosse respeito de modo mais absoluto o direito de associação entre os trabalhadores; III) a abolição de fato da exploração do trabalho infantil nas fábricas, oficinas e afins; e IV) que trabalhadores com menos de 18 anos não ocupem trabalhos noturnos.
A data, entretanto, vem constantemente sendo esvaziada de seu sentido originário, ou seja, a luta do proletariado por uma melhor condição material da sociedade como um todo e a superação do sistema vigente. Nesse processo, a burguesia busca transformar o dia em mera festa e perpetuar a alienação; desmobilizar a classe trabalhadora e distanciar o sujeito social da emancipação da lógica que o oprime. O trabalhador não pode ser lembrado do seu poder de mudança coletivo.
Na atualidade as condições dos trabalhadores vêm sendo empurradas mais uma vez para realidades proximas as dos séculos passados. O neoliberalismo que avança com suas ‘reformas’ sob o pretexto de austeridade e melhor desenvolvimento se revelam como verdadeiras deformações que moem o indivíduo, lubrificam as engrenagens do capitalismo e legalizam a exploração extrema do sujeito social.
Já se pode observar, inclusive, os primeiros resultados da ‘reforma’ trabalhista: o Brasil é o segundo país com a maior taxa de autônomos no mundo, ou seja, empobrecimento do operário, precarização e vulnerabilidade social (onde se trabalha para viver e se vive para trabalhar) tudo sendo justificado sob a ideologia neoliberal e seus jargões como ‘meritocracia’ e ‘empresário de si mesmo’.
A recente revelação feita pela Agência Pública de que o iFood contratou agências de publicidade para criarem perfis falsos em redes sociais e infiltrarem agentes em manifestações para desmobilizar movimento de entregadores só revela a continuidade das relações conflituosas entre as classes sociais. Simplesmente, todo e qualquer movimento promovido pelo proletariado será respondido com a mão mais pesada da burguesia (e agora com métodos cada vez mais obscuros e subjetivos viabilizados pela tecnologia).
Vale lembrar que trabalhadores de aplicativos efetuam jornadas que ultrapassam 12 horas diárias e durante a pandemia, conforme pesquisa 51,9% dos entrevistados afirmaram trabalhar os sete dias da semana, enquanto 26,3% deles, seis dias.
Historicamente o proletariado é reprimido, basta remontar as greves sustentadas pelos petroleiros em 1995, que buscava impedir o desmonte da Petrobras e assegurar os direitos sociais conquistados pela categoria. O levante foi respondido da forma mais truculenta possível durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) pelas diferentes instituições como exército, polícia, judiciário e as grandes mídias, que atuam fortemente no processo de desmobilizar a sociedade e subverter a lógica dando a entender que o vilão (usando desse maniqueismo vazio) da sociedade é exatamente aquele que busca lutar contra a opressão imposta.
Para este 1.º de maio restam duas reflexões: a primeira é que o patrão é uma figura que só existe porque detêm os meios de produção e com isso pressiona o proletariado a trabalhar para ele; mas o trabalhador existe per se, ele não precisa do patrão para existir, ele é a força constituinte do mundo e não o caminho contrário. Por fim, Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique pós independência, dizia que ‘o cachorro do rico tem mais vacinação, remédios e assistência médica do que os trabalhadores sobre os quais a riqueza do rico é construída’. Que o dia de hoje nunca tenha seus verdeiros valores efetivamente esvaziados e que a luta de classes se torne cada dia mais visível para todos nós na busca pela superação do capitalismo.