Há alguns meses li uma postagem de Arthur Tuoto, crítico de cinema, sobre a dita “Animagem” – que seria um novo tipo de imagem determinada pelo uso de captura de movimento e constituição digital da performance do ator. A conclusão de seu texto sobre a suposta nova categoria pictórica propõe uma provocação: “estaria o cinema voltando aos seus primórdios da animação?”
A ideia de “espiral histórica” me apetece. E parece que instiga a paulistana Terno Rei também. “Estaria a banda voltando ao que ouviram um dia na adolescência?”
A uma semana, dia 03 setembro, a banda apresentou o novo álbum em coro com o público pela primeira vez em Salvador. A apresentação foi impecável. Hoje, às 16:30, a banda sobe nos palcos do Rock In Rio, na Arena Itaú.
Em março de 2022 a banda lançou Gēmeos, o aguardado sucessor de Violeta (2019, Balaclava), álbum que jogou a voz e os graves de Ale Sater, as guitarras de Greg Maya e Bruno Paschoal e os batuques de Loobas para os ouvidos de um Brasil maior que o conquistado em trabalhos anteriores.
Gēmeos oferece ao ouvinte alguns retornos históricos mediados pela performance contemporânea da banda. Aponta-se para um lugar já visitado, mas em uma dimensão diferente. Uma experiência atravessada pela nostalgia, que se sustenta na quantidade de emoção que o ouvinte pode (ou não) depositar no trabalho. Não sinto amores pelos rockinhos dos anos 2000, mas depois da apresentação, o gancho sentimental me pegou.
Reflito, portanto, como a experiência musical funciona em alguns níveis, exemplo do estético e cultural, mas como todos esses podem desembocar em uma experiência de ressonâncias.
Cheiro de Passado, Eco do Futuro
No recente “Mil Coisas Invisíveis”, o também paulistano Tim Bernardes escreve em sinestesias, “Esse Ar”:
Esse ar imaginário, esse ar calado
Ar profundo, eco do futuro
Cheiro de passado
Ar, vento já paralisado
Mistério fotografado
O que se coloca diante da citação é o laço que o tal ar traz entre o presente, o passado e o futuro. Música, pra mim, é isso.
A música chega para o ouvinte em um imaginário ideal. Há acordos estéticos inevitavelmente selados pelas capas, nomes das bandas e títulos das faixas que estimulam expectativas do outro lado do fone. A obra, portanto, é atravessada pelo “querer e receber”, uma tensão mediada também pelo gosto que é construído culturalmente pelo ouvinte.
Gēmeos só passou a funcionar para mim quando o experimentei com sentimento. E cada vez que o ouço novamente, me vem à mente o grupo subindo ao palco, dando o primeiro acorde de “Esperando Você”, e aquela vibração tomando o corpo com a nostalgia que antes me faltava sentir.
Sem o show, diferente das obras anteriores da banda que se conectaram rapidamente à minha bagagem, o álbum não me tocava. Agora, a imaginação flui diante desse tecido construído pelo evento. Tem cheiro de passado e ecos do futuro.
Crítica-de-zap
No mesmo 10 de março, dia de lançamento de Gēmeos, escrevi uma amargurada crítica-de-zap que ilustrava bem meu primeiro sentimento.
Bem produzido e saboroso, Terno Rei se consolida como uma banda acomodada.
Após o grande sucesso do álbum anterior "Violeta", não sabia-se muito o que esperar da banda. A roupagem mais pop do último trabalho deu novos ares ao projeto, que conquistou novos públicos e sentiu o gosto de uma carreira bem sucedida. Violeta, apesar disso, ainda transitava pela atmosfera alternativa criada, principalmente, no ótimo "Essa noite Bateu Com Um Sonho", o que tornava interessante a experiência de escuta. Gēmeos, embora siga a trilha da boa produção técnica, peca, justamente, no mérito de seu predecesor: a simplicidade.
No fim das contas a obra esbarra em Charlie Brown Jr, num pop besta, em rockinhos esquecíveis de uma juventude ainda inexperiente, e, talvez, o pior de tudo: adultos emulando leveza inocente, quase incompreensível se tratando de uma banda com mais de 10 anos de carreira e ótimos discos nas costas
Nota-se: as críticas que pontuei no calor da escuta, hoje, são para mim os maiores méritos do trabalho. Quem é que não gosta de nostalgia? Tal qual o cinema procura novas invenções para atingir o público das mais diferentes formas, articulando referências de sua origem como mídia, a música faz o mesmo. Se aponta novamente a um mesmo lugar, mas o alcança em outra dimensão. A história em espiral!
Gēmeos encosta em referências diretas da música dos anos 2000, mas permeia noções completamente contemporâneas, tanto em questões de produção, como em temática. “Que bom ver você de novo / No ano mais triste de nossas vidas”, canta Ale em “Aviões”.
E como havia dito: um gosto é construído pela cultura. Memória é a base disso. Ainda bem que fui ao show para queimar minha língua sobre o álbum novo. Independente de retomadas, quebras e nuances da tradição, algumas produções encaram o público na cara. A estética é apenas um meio para chegar lá dentro. Terno rei chega!