Um morador do Centro de Residência da USP (CRUSP) denunciou pelas redes sociais no último dia 1 de dezembro uma pichação racista em um dos blocos do conjunto residencial. Os ataques coordenados agora são recorrentes na USP, agravados pelo fato do conjunto habitacional não possuir um sistema de monitoramento nos seus corredores.
Em declaração ao Sabiá, o morador Marcos Morcego, estudante de Ciências Sociais na FFLCH, relatou que o bloco amanheceu com a pichação na mesma semana em que o espaço de convivência do Diretório Central Estudantil (DCE) amanheceu com pichações nazistas. Além disso, o estudante também relata que naquela semana, uma moradora do CRUSP foi ameaçada com um bilhete com os dizeres “viado, preto, morto”.
Desde a pandemia, afirma o estudante, ocorrem casos envolvendo bolsonaristas e extremistas de direita que preocupam estudantes da USP e moradores do bloco universitário.
Essa mesma ameaça com bilhetes foi relatada pela coletiva autonomia e trans/versalidade, composto por estudantes da USP. “No CRUSP a situação tá cada vez pior. Manifestações neonazistas, racistas, transfóbicas, homofóbicas têm se intensificado. Símbolos neonazistas e frases de extrema-direita estão se disseminando”, declararam ao Sabiá.

Esse tipo de ataque já ocorreu outras vezes. Entretanto, como nos informa uma fonte que preferiu não ser identificada por questão de segurança, eles adquiriram maior intensidade no último mês. Os ataques, afirma, “já existiam muito antes como casos isolados, mas desde o começo do mês assistimos a uma crescente de casos, que ficam especialmente violentos no CRUSP.”
Ataques no CRUSP e a Permanência Estudantil
Os últimos ataques aconteceram na USP após a primeira semana da consciência negra realizada pela Pró-reitoria de inclusão e pertencimento (PRIP), departamento da USP criado em maio de 2022 para centralizar e coordenar ações da universidade em prol da pluralidade dos campus universitários. O Sabiá tentou contato com a PRIP. Contudo, não obteve resposta até a publicação da matéria.
Estes ataques se inserem em um contexto de institucionalização da vigilância na Universidade. Durante a pandemia de COVID-19, o campus Butantã consolidou políticas de vigilância e policiamento na área universitária. Uma base da Polícia Militar de São Paulo foi instalada durante o período de distanciamento social e ensino remoto, localizada, inclusive, próxima ao CRUSP.
Ao contrário das promessas de maior segurança no campus, os ataques tem relação direta com o aumento dos casos de intolerância na Universidade de São Paulo. Junto a isso, os moradores do CRUSP sofrem de problemas estruturais nos apartamentos, como ocorrido durante os meses de agosto e setembro, quando esses enfrentaram um problema de abastecimento de água.
“No último período, diversos problemas vêm surgindo no CRUSP. A falta de água, medidas de segurança e controle impostas pela reitoria, expulsão de moradores de um bloco inteiro. Isso afeta a convivência entre os moradores. A reitoria, ao invés de atender às demandas dos estudantes, que dependem da universidade para sobreviver, respondem com mais intimidações e negociações descabidas, quando não lhes dão o completo silêncio”, acrescentou o estudante anonimo ao Sabiá.
Em relação ao clima geral entre os moradores do CRUSP, Morcego comenta: “Está bem tenso, há várias discussões sobre acesso, a assistência social está atravessando decisão de estudantes, além da existência de setores da direita no próprio CRUSP”. Ainda segundo o estudante, a própria PRIP estaria tomando decisões sem a aceitação dos próprios moradores, “A PRIP avisou que vai colocar controle de acesso sem a aceitação das pessoas que moram lá”.
Ao Sabiá, o DCE Livre da USP enviou a seguinte nota, publicada na íntegra:
No último mês, encaramos, na USP, uma série de pichações nazistas e de extrema direita nos mais variados locais da universidade. No começo do mês, em um banheiro na FFLCH foi escrito um texto que incentivava os alunos a gravarem seus professores “de esquerda” em sala de aula. Mais recentemente, foram encontrados cerca de oito símbolos nazistas desenhados nas paredes da vivência do DCE, e as paredes de um corredor do CRUSP, moradia dos estudantes do campus Butantã, apareceram pichadas com a frase “volta pra África”. O DCE Livre da USP declara que, em nome da permanência dos estudantes, sobretudo pretos, LGBT e trabalhadores, não tolerará qualquer manifestação nazista ou racista dentro da Universidade. É hora de fortalecer o movimento estudantil, trincheira histórica contra a extrema direita no país, com uma ampla mobilização de toda a comunidade universitária. Também chamamos a reitoria para que se responsabilize pelos casos criminosos ocorridos dentro do campus. Em ano de revisão da lei de cotas, na universidade que aderiu por último a esse sistema, é inadmissível a inanição que assistimos por parte do reitor e dos órgão burocráticos da USP.
DCE Livre da USP, ao Sabiá
O CRUSP sucateado e promessas de reformas eternas
O CRUSP é um complexo de apartamentos construído originalmente para abrigar atletas para os jogos pan-americanos realizados na cidade de São Paulo durante os anos 60. Logo após a realização dos jogos, foi utilizado para abrigar estudantes de baixa renda e vindouros de outros lugares do Brasil.
O sucateamento do CRUSP acontece há anos. No complexo, as reformas são lentas. O bloco mais afetado é o F, aonde partem a maioria das denúncias efetuadas pelos estudantes. Além da falta de infraestrutura, a segurança também é um problema enfrentado pelos alunos residentes. O complexo também recebe famílias, sobretudo constituídas por mães em situações precárias.
Durante a pandemia, a falta de alimentação adequada foi um tema de revolta estudantil. Para muitos estudantes, o restaurante universitário central é a única forma de alimentação, mas isso não fez com que a empresa contratada para administrar o RU controlasse adequadamente a qualidade dos alimentos, como denunciado pelo Intercept. O restaurante universitário central funciona apenas entre segunda-feira a sábado, fazendo com que aos domingos, alunos se desloquem até outro restaurante universitário.
Há inúmeros projetos de reformas. Mas o processo sempre é lento e conduzido de forma que custe menos para os cofres da universidade. O bloco D, por exemplo, há anos é utilizado pela própria universidade e não serve mais de residência para os alunos.
Pelo Twitter, alunos da USP e residentes do bloco F, localizado próximo ao Restaurante Universitário Central da USP, denunciaram em agosto, a falta de água e o descaso com os estudantes, algo que é comum há anos na USP.
A semana na qual ocorreu a falta de água em agosto coincidiu com a realização da semana das profissões da USP, evento que visa apresentar a universidade para futuros alunos. Entretanto, chega a ser irônico um evento com uma infraestrutura enorme ser realizado a tão poucos metros de alunos da universidade que sofrem com a precária situação de moradia. Uma das palestras do evento foi justamente sobre a permanência e as realizações do PRIP.
Nossa fonte anônima nos informou que apesar de a falta de água ter sido parcialmente solucionada, ela ainda ocorre em alguns blocos. “O diálogo com a universidade é completamente atravancado, eles dão informações cruzadas, demoram dias para dar uma resposta, marcam reuniões e não aparecem”, afirma.
Na época, e-mails enviados pela administração do campus Butantã informaram que a falta de água ocorreu por conta de rompimentos de dutos de água no campus. Entretanto, a explicação não justifica a infraestrutura sucateada e as obras intermináveis.
Em 20 de setembro, alunos da USP organizaram uma greve para denunciar a falta de água em um dos blocos. No mesmo dia, a USP enviou um e-mail aos alunos, afirmando que muitas das situações eram “imprecisas ou conflitantes” e que não havia falta de água desde 4 de setembro, algo que vai em encontro com relatos de alunos que residem na moradia universitária.
Até o momento de publicação, o Sabiá não obteve resposta do PRIP em relação à situação.